terça-feira, 2 de abril de 2013

O mundo da música aterra na próxima semana na Praia para tornar realidade a Atlantic Music Expo Cabo Verde (AME), a primeira grande obra de Mário Lúcio Sousa como ministro da Cultura. Nesta entrevista ao Kriolidadi, o governante que faz da arte uma profissão de fé – é músico, escritor e pintor – fala da revolução que um evento desta natureza vai trazer à indústria musical cabo-verdiana e dos planos para o futuro. É que pelo menos nos próximos três anos vamos ter o AME.



- Senhor ministro, antes de mais, explique aos cabo-verdianos: o que é a Atlantic Music Expo?

A Atlatic Music Expo Cabo Verde, resumindo, é uma Feira Mundial da Música. Assim como existem as feiras de turismo, os salões de automóveis, o mundo conta também com alguns grandes mercados da música, como a MIDEM, a WOMEX. De entre desse leque dos maiores mercados do mundo, Cabo Verde propôs-se criar o seu, o Atlantic Music Expo Cabo Verde. É um espaço onde os profissionais da música, managers, produtores, jornalistas, empresários, directores de salas e de festivais, agentes, bookers, distribuidores, publishers, sociedades de autores, consultores, advogados, contabilistas, videastas, fotógrafos, fabricantes de instrumentos, equipamentos e acessórios diversos, de todo o mundo, se encontram para expor os seus produtos. O conceito do Atlântico surgiu da nossa vocação cultural e posição geoestratégica. Como região, o Atlântico vai da Islândia de Bjork à Estônia de Avro Pärt, para além do óbvio. Como cultura, ela inclui todo o chamado novo mundo. É o espaço do futuro. Por isso, o nosso mercado pegou na primeira edição. Quanto à estrutura, o nosso mercado é dividido em três partes: a das Conferências, workshops, ateliers, formação, palestras, debates; a dos showcases, concertos de duração máxima de 40 minutos para o público profissional; e a dos negócios, com stands e exposição, onde, para além de CDs, DVDs, Flyers, divulgação e amostras, haverá também um showroom de instrumentos e equipamentos de música.

- A Womex (Word Music Expo) é a parceira privilegiada do Ministério da Cultura nesta empreitada. Em que consiste esta parceria? 


A WOMEX é o maior mercado de música do mundo. Na última edição, na Grécia, teve mais de dois mil e quinhentos participantes. Hoje, as cidades da Europa concorrem e pagam para receber a Womex. Ela nunca fez parcerias porque estaria a ter concorrentes. Na minha reunião com o Presidente da Womex na Dinamarca, ele foi sincero, dizendo que não lhes interessava o nosso mercado. Insistimos, explicámos as nossas razões com convicção, servimo-nos do prestígio da música e dos músicos de Cabo Verde e ele, dias depois, aceitou. É o primeiro exemplo no mundo. A Womex tem know-how na matéria. A sua chancela significa que estamos a começar um mercado junto com alguém que já leva mais de vinte anos no ramo e liderando o mesmo. A Womex faz a montagem técnica do mercado, relativamente à divulgação internacional, consultorias, inscrições, constituição do júri, selecção, programação, contactos com os profissionais do mundo, booking, etc. Isso trouxe-nos um enorme prestígio e credibilidade junto da comunidade internacional. No fundo, eles investem em nós. A Womex criou um consórcio, que está constituído por alemães, ingleses, franceses, brasileiros. Quiseram também ter um parceiro cabo-verdiano e convidaram a Harmonia. Para a parte dos instrumentos e equipamentos trabalhámos com outro parceiro, a Feira da Música do Ceará e com consultores e empresas brasileiras, como a Contemporânea, que fabrica os instrumentos de percussão usados no carnaval. Tivemos também mercados amigos, que nos ajudaram na concepção e maturação do nosso, tais como o Le Kolatier (Camarões), o IOMA (Indian Ocean Music Market, da Ilha da Reunião), o Babel Med (mercado da música do Mediterrâneo, em Marselha, França). Por isso, ficámos rapidamente a ser conhecidos nos quatro cantos do mundo e montamos o mercado em tempo record. Mas também foi essencial a vontade política do Governo de Cabo Verde, especialmente do Senhor Primeiro-Ministro e da Senhora Ministra das Finanças.


- O AME acontecerá na zona história da cidade da Praia, o chamado Plateau. Porquê aqui?

Depois de visitarmos vários mercados no mundo, quisemos que o nosso tivesse um destaque e uma peculiaridade que servisse também de atracção. Assim, optámos por fazê-lo no casco histórico de uma cidade e ao ar livre. O Plateau serve por várias razões. Sendo a primeira edição, queríamos assegurar sem falhas a questão das viagens e do alojamento. A Praia era a única cidade que tinha a capacidade de alojamento que se exigia. A parceria com a Câmara Municipal na mobilização dos hotéis, restaurantes e bares foi fundamental. Por outro lado, os nossos consultores aconselharam-nos a linkar o AME a um outro evento de renome mundial, para atrair mais público. Assim, aproveitamos o Kriol Jazz Festival.

- A cidade da Praia será sempre o palco do AME?

Não. Assim que o Ame estiver solidificado, é bom que seja rotativo. Isso implica mais custos, mas pode também significar mais ganhos. Queremos que sejam os próprios municípios a se candidatarem para receberem o evento. E com isso estaríamos a fazer uma boa distribuição de riqueza a nível nacional.

- É a primeira vez que um evento desta natureza acontece no país. Qual a sua expectativa?

O objectivo da AME é tornar Cabo Verde numa plataforma mundial de negócios da cultura, especificamente, da música para começar. O objectivo a longo prazo é converter Cabo Verde numa espécie de zona franca no Atlântico. Isso colocaria a nossa música também no centro do mundo. Essa movimentação criaria uma cadeia de valores de alto rendimento para a economia, como o turismo de eventos, com impactos reais no import/export, na logística, no sector dos transportes, nas comunicações, na vida municipal, etc. Uma parte desta aposta já está ganha: conseguir trazer esse mercado para Cabo Verde e a adesão mundial que tivemos. Espero que os nossos músicos consigam “fechar” vários concertos pelo mundo fora, passem a ter muito trabalho, com bons resultados, consigam cativar os profissionais, colocar a imagem e o prestígio do país cada vez mais alto e que sejam felizes com isso. Que o país consiga converter toda a sua vocação e inspiração numa fonte de riqueza e de melhoria da qualidade de vida.

- Que benefícios uma exposição como esta poderá trazer para a música de Cabo Verde e, em particular, para a indústria da música?

Nós trouxemos o Maomé até à montanha, parafraseando a sentença popular. Veja o quadro com a lista dos participantes: os maiores profissionais de música, do mundo inteiro, estão aqui. São eles que investem na música, que compram e vendem concertos, que promovem discos, que gerem a carreira dos artistas, que constroem e distribuem instrumentos e equipamentos, que escrevem sobre os discos, que organizam festivais, que programam as salas, que financiam as tournées, que colectam os royalties. Por outro lado, vamos adquirir instrumentos a preço cinco, seis vezes inferior ao do mercado interno. Amplificadores, microfones, estúdios de gravação, etc., a preços acessíveis. É o contacto directo com quem produz. Os empresários vêm buscar parceiros nacionais para os representar, para venderem esses instrumentos aqui e no continente. Vão querer produzir os seus artistas internacionais aqui. Os nossos profissionais vão estar em contacto directo com agentes de Bob Marley, de Manu Dibango, de Cesária Évora, de Mariza, de Salif Keita. Vão trocar contactos, ideias, experiências. É o mundo que vem conqui na porton de nos ilha, no dizer de Renato.

- Uma das atracções do AME é a Noite SACEM, sociedade de autores de França. Em que consiste e qual o objectivo de organizar uma noite assim?

A SACEM foi um dos convidados do Fórum MusiCabo Verde realizado no ano passado, na Cidade Velha. Reunimos 30 experts internacionais para debatermos a criação da AME e os problemas que enfrentámos no mundo da música. A SACEM, que representa a maior parte dos autores cabo-verdianos, dispôs-se a ajudar-nos a sedimentar a nossa sociedade de autores e o AME. Como gesto de parceria, propôs uma noite de intercâmbios, fora da selecção para os showcases, e que teria a chancela e o co-financiamento deles. Aceitámos porque só o nome da SACEM é um sinal muito forte perante os profissionais do mundo.

- Alguns artistas nacionais e internacionais actuarão na noite Sacem. Os cabo-verdianos são Manuel di Candinho, Jenifer Soledade, Kim Alves, José Luís. Porquê estes e não outros?

Foram artistas que o presidente honorário da SACEM ouviu no Fórum Musi Cabo Verde e que, segundo um conceito que ele já tinha, cabiam no projecto que queria desenvolver e convidou-os directamente. Esses artistas vão actuar com artistas franceses, em Cabo Verde e em França. Vão ensaiar em Paris para este projecto.

- O Kriol Jazz Festival é outra parceira do AME. Como colaborará o KJF com o AME?

Na verdade, não existe uma parceria entre o AME e o KJF. A parceria do KJF é com a Câmara Municipal da Praia. O AME tem um entendimento com o Kriol Jazz Festival para que o evento se realize na mesma época, complementando-se. Isto é importante, na medida em que permite criar um pacote.

- Acredita que as parcerias público-privadas são a solução para a organização deste tipo de eventos?

A política do Governo é clara nesse sentido. O programa do Governo recomenda e o MC tem seguido essa estratégia: foi assim que instalámos as Casas de Cultura; é assim que vamos instalar os novos centros culturais na Brava, Mosteiros, Santa Catarina do Fogo, Boa Vista, Sal e Maio, brevemente. É assim que estão a nascer as novas salas de concertos no país. É assim que vão nascer os conservatórios municipais. É assim que estão a nascer os museus. É assim que está o Carnaval a melhorar. Relativamente aos eventos, impulsionamos as iniciativas privadas. E quando somos nós a despoletar a iniciativa, procuramos os privados. O AME, assim como outras iniciativas culturais iniciadas pelo MC, tem muita parceria privada e com os municípios. A previsão é que o AME passe a ser realizado por profissionais nacionais e estrangeiros, como acontece com a Womex, assumindo eles todos os custos. O Estado não deve, nem pode subsidiar eternamente actividades que podem ser perfeitamente executadas por agremiações da sociedade civil.

- Em termos de expectativas, como está a adesão nacional e estrangeira ao AME?

Superou. Tivemos mais de quarenta inscrições nacionais, abrangendo mais de cem participantes. Temos ainda a confirmação de participação de 13 municípios, que estarão com seus stands, representando sua cultura e sua música, sua gastronomia e artesanato. Temos mais de setenta inscrições internacionais abrangendo mais de cem profissionais estrangeiros, para além de mais de quarenta experts. À parte, temos a delegação brasileira que vem com mais de quarenta pessoas. O Brasil apostou forte no AME.

- Além de músicos e cantores, quais as personalidades nacionais e internacionais do mundo da música que vão marcar presença no AME?

Vou responder à questão, mas convém esclarecer que o AME não é um festival, é um mercado. A diferença é que para os festivais os artistas são convidados e constituem a atracção. No mercado, os profissionais pagam para estarem presentes. Neste, a grande maioria dos músicos representados não estar presentes. Os poucos que farão show-cases constituem apenas a parte musical do mercado, que é um terço do mercado. O resto é contacto permanente entre os representantes dos artistas ou entre os artistas e os profissionais que trabalham com artistas do mundo inteiro. Os nossos profissionais vão receber antes uma formação de mercado, ministrada por profissionais da Womex, sobre como abordar o mercado, como tirar o máximo proveito, como guardar os contactos, como se organizar, como fazer o seguimento, etc.

- Além da comunidade de músicos, sente que os comerciantes e os empresários das áreas de restauração e hotelaria, por exemplo, aderiram ao evento?

A Câmara Municipal da Praia está a fazer esse trabalho. Esses serviços constituem uma parte fundamental do sucesso do evento, porque tudo se passa ao ar livre, na rua, com muito consumo, muita convivência. É uma intensa actividade económica durante esses dias. Os hotéis, os bares, os restaurantes, os táxis, os bancos, os serviços de telecomunicações, etc., o artesanato, o mercado, são núcleos importantes de negócios que influenciam outros negócios, criando uma cadeia enorme de trocas. Já solicitámos ao INE uma recolha de dados sobre o volume de negócios que o evento gera, para tornarmos mensurável mais tarde o impacto da cultura no PIB.

- É facto que os turistas atraídos pela música gastam mais do que os turistas regulares. O AME pode ser então a porta de entrada de Cabo Verde numa mina de ouro?

Temos esses dados, de que os turistas atraídos por eventos culturais gastam mais e têm mais intercâmbios com os locais, criando a base para um turismo sustentável, fomentando o turismo comunitário. Durante a conquista dos mercados e a divulgação mundial, em parceria com os TACV, fizemos um grande trabalho. Em Dezembro de 2012 fizemos uma reunião de balanço e verificámos que tínhamos realizado mais de 50 eventos internacionais para públicos específicos e colocámos Cabo Verde no circuito de mais de 11 milhões de pessoas, utilizando o circuito “Fora do Eixo”, do Brasil, e o 15M, de Espanha. Começamos a sentir o impacto positivo dessa política. Há cada vez mais procura pela nossa cultura. Espero que o AME seja, sim, essa janela para que o mundo descubra uma mina de criatividade, o país de mais música por metro quadrado no Planeta.

- Temos música e de muita qualidade, inquestionável mesmo. Mas será que temos as outras condições, nomeadamente infra-estruturais, para nos transformarmos num entreposto internacional de música?

Temos uma parte, o essencial: temos as esquinas onde aprendemos, temos os maestros, o legado, o talento e a força. Começamos a ter as pequenas salas em todas as ilhas. Temos estúdios de qualidade. Já está em perspectiva a construção de salas maiores por iniciativas privadas. É preciso mais investimentos, mas são eventos como esses que vão fazer o mundo descobrir toda a potencialidade do país, e que vão atrair investidores na área de salas, auditórios, residências artísticas, estúdio, logística, armazéns para stock de equipamentos, fábricas de suportes, etc.

- A AME é a primeira grande obra do seu mandato. Será o seu grande legado?

Fico desapontado (risos). Considero as outras pequenas obras também de grande dimensão, ainda que não no tamanho. Por exemplo, o que já se fez para o artesanato, com a aprovação dos Estatutos do Artesão pelos artesãos; Com a criação do selo Created in Cabo Verde para certificar o artesanato; Considero o Banco da Cultura um instrumento importante. Aliás, durante o AME, o Banco vai desempenhar um papel importantíssimo ao ajudar os municípios e os artistas a adquirirem instrumentos. Considero a classificação dos centros históricos do país e da Morna, etc. O AME, pelas suas características e dimensão, pelo impacto que pode ter na economia a médio prazo, é um bom trecho de caminho andado. Mas ainda falta muito. A grande obra só pode ser analisada no conjunto. E cada pedra é importante. O meu legado é ter cumprido com a parte que me coube.

- Com que frequência o MC pensa organizar a AME?

A AME será um evento anual.

- O senhor ministro já pensa na segunda edição?

Já. Temos um contrato para três anos com a WOMEX e estamos a captar recursos desde já. Na verdade, à segunda é que é…


Fonte: ASEMANA

0 comentários :

Enviar um comentário