sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O encontro entre o ministro da Cultura, Mário Lúcio, e os artistas cabo-verdianos residentes em Portugal não poderia ter corrido melhor. Reunidos numa sala do hotel Flórida, na tarde do passado sábado, dezenas de artistas ouviram da boca do ministro/poeta as suas ideias para uma política cultural, algo inédito na história da democracia - cabo verdiana.

Mário Lúcio começou por fazer um pequeno balanço de algumas medidas já em funcionamento, desde a sua tomada de posse, em Março deste ano. A grande novidade vai para o Banco da Cultura.
De acordo com Mário Lúcio, o Banco da Cultura funciona em duas modalidades: o ministério dispõe de uma verba de 10 mil contos, (pouco mais de 20 mil euros), para o financiamento de pequenos projetos relacionados com música, artes plásticas, investigação, etc - "diretamente disponibilizados pelos nossos serviços, sem qualquer compromisso de reembolso", explicou o ministro.

Banco da Cultura
Mas o Banco de Cultura vai mais longe: "qualquer pedido de financiamento de montantes superiores poderá ser feito diretamente num banco, ficando o ministério da Cultura como avalista desse empréstimo, e que poderá ser pago em 20, 30 anos." Para Mário Lúcio, o importante é que o dinheiro da conta do ministério no banco seja movimentado pelos artistas, criadores, através dos seus projetos  "Todos sabemos que o dinheiro parado não rende."
A ideia do Banco da Cultura já atraiu as atenções de vários analistas estrangeiros, explicou Mário Lúcio, que a considera uma grande vitória dadas as resistências iniciais, mesmo no seio do governo de Cabo Verde, e que quase o fizeram "abandonar o governo logo no início", confessou. A ideia da cultura como mais-valia para a economia é um dos pilares da política cultural do governo, sendo "o quarto pilar" da estratégia de desenvolvimento de Cabo Verde, disse Mário Lúcio.

No entanto, em termos financeiros, o orçamento do ministério da Cultura não representa mais de 0,4% do OE, o que se traduz nuns escassos 79 mil contos para investir nas suas várias áreas de intervenção, como incentivo à cultura. "E já no próximo ano prevemos um corte significativo, o que nos deixará uma verba de apenas 50 mil contos para gastar."
Estando em Lisboa, algumas perguntas da assistência foram para o tão falado Centro Cultural Cabo-verdiano, cujo protocolo de cedência do espaço foi assinado no início do ano entre o então embaixador Arnaldo Andrade e o presidente da Câmara de Lisboa António Costa. Aqui, as notícias não parecem muito boas, já que o valor das obras de reabilitação do espaço - situado em Pedrouços, junto da antiga Universidade Moderna - estão avaliadas em cerca de 2 milhões de euros.
A Embaixada em Lisboa também não irá ser contemplada com a figura de adido cultural, explicou o ministro. "Estamos mais voltados para a criação de um 'adido cultural honorário', em várias cidades onde existam cabo-verdianos, que, em muitos casos, já existem de facto."

"Despolitização" da língua cabo-verdiana
Outras questões foram abordadas pelo ministro, como a criação de uma central única para edição, coordenada pela Biblioteca Nacional (cujos novos estatutos estão a ser elaborados), bem como a ligação directa a todas as bibliotecas municipais do país, com apoio à edição e distribuição de livros. A criação das casas de cultura - já com algumas criadas em Santiago e São Vicente - será extensível a todas as ilhas, disse o ministro, "de forma a que cada município tenha uma", assim como a recuperação das antigas salas de cinema, existentes nas ilhas.
Outro aspecto debatido - calorosamente - com a assistência foi o estatuto da língua cabo-verdiana. Para o ministro, o processo passa por "primeiro oficializar a língua cabo-verdiana e só depois aprovar o alfabeto definitivo", o que mereceu de imediato a aprovação dos presentes na sala.
O ministro defendeu que a questão da língua deve ser dividida em duas: a oralidade e a escrita. "Acho que temos estado a colocar a carroça à frente...", disse o ministro, que se quer assumir apenas como entidade "homologadora" da decisão da sociedade civil, que é, a seu ver, "quem deverá discutir esta matéria".
A "despolitização" do debate sobre a língua, deixou claro Mário Lúcio, é um dos seus objetivos  Porém, nem tudo vai de vento em popa. E os problemas mais complicados surgem a nível da articulação de algumas medidas com o ministério da Educação e a própria Universidade de Cabo Verde, como fez questão de frisar. "Acho que é uma questão de ritmos, queremos fazer as coisas, mas às vezes vamos muito à frente dos outros, é preciso esperar."

Dignificação dos artistas
Algumas das medidas a respeito da educação, defendeu Mário Lúcio, passam pelo ensino pela arte. "Vamos introduzir uma medida é que o aluno, depois da Matemática, do Português e da História, possa ir a casa do senhor x ou y, que toca cavaquinho, violão ou violino, e que ele possa passar uma hora com este senhor e aprender algumas noções de música; quem diz música diz pintura, artesanato, etc, para que ele possa ter um contacto com a arte através de artistas locais."
A dignidade dos artistas, por outro lado,  "como representantes do Estado de Cabo Verde", foi tida em conta com alargamento do passaporte de serviço para as suas deslocações ao exterior, explicou Mário Lúcio, passando também a dispôr de uma sala especial no aeroporto da Praia, quer nas suas deslocações ao estrangeiro, quer para receber artistas visitantes. O cadastramento dos artistas é outro dos objectivo  "para a atribuição de uma carteira profissional e a sua regularização junto dos serviços das finanças."
Logo que este cadastro esteja terminado, o site do ministério da Cultura, disse, será colocado no ar.
O encontro, que aconteceu na tarde do  Dia Internacional da Música, terminou com Mário Lúcio entoando para a assistência a morna "Dez Grãozinhos di Terra", de Jota Mont. Mário Lúcio deverá reunir-se com o secretário de Estado da Cultura português, Francisco José Viegas, amanhã, quarta-feira, para um encontro de trabalho.

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