O encontro entre o ministro da Cultura, Mário Lúcio, e os artistas
cabo-verdianos residentes em Portugal não poderia ter corrido melhor. Reunidos
numa sala do hotel Flórida, na tarde do passado sábado, dezenas de artistas
ouviram da boca do ministro/poeta as suas ideias para uma política cultural,
algo inédito na história da democracia - cabo verdiana.
Mário Lúcio começou por
fazer um pequeno balanço de algumas medidas já em funcionamento, desde a sua
tomada de posse, em Março deste ano. A grande novidade vai para o Banco da
Cultura.
De acordo com Mário
Lúcio, o Banco da Cultura funciona em duas modalidades: o ministério dispõe
de uma verba de 10 mil contos, (pouco mais de 20 mil euros), para o
financiamento de pequenos projetos relacionados com música, artes plásticas,
investigação, etc - "diretamente disponibilizados pelos nossos serviços,
sem qualquer compromisso de reembolso", explicou o ministro.
Banco da Cultura
Mas o Banco de Cultura
vai mais longe: "qualquer pedido de financiamento de montantes superiores
poderá ser feito diretamente num banco, ficando o ministério da Cultura como
avalista desse empréstimo, e que poderá ser pago em 20, 30 anos." Para
Mário Lúcio, o importante é que o dinheiro da conta do ministério no banco seja
movimentado pelos artistas, criadores, através dos seus projetos "Todos
sabemos que o dinheiro parado não rende."
A ideia do Banco da Cultura
já atraiu as atenções de vários analistas estrangeiros, explicou Mário Lúcio,
que a considera uma grande vitória dadas as resistências iniciais, mesmo no
seio do governo de Cabo Verde, e que quase o fizeram "abandonar o governo
logo no início", confessou. A ideia da cultura como mais-valia para a
economia é um dos pilares da política cultural do governo, sendo "o quarto
pilar" da estratégia de desenvolvimento de Cabo Verde, disse Mário Lúcio.
No entanto, em termos
financeiros, o orçamento do ministério da Cultura não representa mais de 0,4%
do OE, o que se traduz nuns escassos 79 mil contos para investir nas suas
várias áreas de intervenção, como incentivo à cultura. "E já no próximo
ano prevemos um corte significativo, o que nos deixará uma verba de apenas 50
mil contos para gastar."
Estando em Lisboa,
algumas perguntas da assistência foram para o tão falado Centro Cultural
Cabo-verdiano, cujo protocolo de cedência do espaço foi assinado no início do
ano entre o então embaixador Arnaldo Andrade e o presidente da Câmara de Lisboa
António Costa. Aqui, as notícias não parecem muito boas, já que o valor das
obras de reabilitação do espaço - situado em Pedrouços, junto da antiga
Universidade Moderna - estão avaliadas em cerca de 2 milhões de euros.
A Embaixada em
Lisboa também não irá ser contemplada com a figura de adido cultural, explicou
o ministro. "Estamos mais voltados para a criação de um 'adido cultural
honorário', em várias cidades onde existam cabo-verdianos, que, em muitos
casos, já existem de facto."
"Despolitização" da língua cabo-verdiana
Outras questões foram
abordadas pelo ministro, como a criação de uma central única para edição,
coordenada pela Biblioteca Nacional (cujos novos estatutos estão a ser
elaborados), bem como a ligação directa a todas as bibliotecas municipais do
país, com apoio à edição e distribuição de livros. A criação das casas de
cultura - já com algumas criadas em Santiago e São Vicente - será extensível a
todas as ilhas, disse o ministro, "de forma a que cada município tenha uma",
assim como a recuperação das antigas salas de cinema, existentes nas ilhas.
Outro aspecto debatido -
calorosamente - com a assistência foi o estatuto da língua cabo-verdiana. Para
o ministro, o processo
passa por "primeiro oficializar a língua cabo-verdiana e só depois aprovar
o alfabeto definitivo", o que mereceu de imediato a aprovação dos
presentes na sala.
O ministro defendeu que
a questão da língua deve ser dividida em duas: a oralidade e a escrita.
"Acho que temos estado a colocar a carroça à frente...", disse o
ministro, que se quer assumir apenas como entidade "homologadora" da
decisão da sociedade civil, que é, a seu ver, "quem deverá discutir esta
matéria".
A
"despolitização" do debate sobre a língua, deixou claro Mário Lúcio,
é um dos seus objetivos Porém, nem tudo vai de vento em popa. E os problemas
mais complicados surgem a nível da articulação de algumas medidas com o
ministério da Educação e a própria Universidade de Cabo Verde, como fez questão
de frisar. "Acho que é uma questão de ritmos, queremos fazer as coisas,
mas às vezes vamos muito à frente dos outros, é preciso esperar."
Dignificação dos artistas
Algumas das medidas a
respeito da educação, defendeu Mário Lúcio, passam pelo ensino pela arte.
"Vamos introduzir uma medida é que o aluno, depois da Matemática, do
Português e da História, possa ir a casa do senhor x ou y, que toca cavaquinho,
violão ou violino, e que ele possa passar uma hora com este senhor e aprender
algumas noções de música; quem diz música diz pintura, artesanato, etc, para
que ele possa ter um contacto com a arte através de artistas locais."
A dignidade dos
artistas, por outro lado, "como representantes do Estado de Cabo
Verde", foi tida em conta com alargamento do passaporte de serviço para as
suas deslocações ao exterior, explicou Mário Lúcio, passando também a dispôr de
uma sala especial no aeroporto da Praia, quer nas suas deslocações ao
estrangeiro, quer para receber artistas visitantes. O cadastramento dos
artistas é outro dos objectivo "para a atribuição de uma carteira
profissional e a sua regularização junto dos serviços das finanças."
Logo que este
cadastro esteja terminado, o site do ministério da Cultura, disse, será
colocado no ar.
O encontro, que
aconteceu na tarde do Dia Internacional da Música, terminou com Mário
Lúcio entoando para a assistência a morna "Dez Grãozinhos di Terra",
de Jota Mont. Mário Lúcio deverá reunir-se com o secretário de Estado da
Cultura português, Francisco José Viegas, amanhã, quarta-feira, para um
encontro de trabalho.
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